O setor de petróleo e a licença social para operar*

“A business that makes nothing but money is a poor business.”

Henry Ford

No início deste ano, a discussão sobre a construção do duto de acesso de Dakota  (Dakota Access Pipeline) – e também de outros oleodutos – voltou a ser manchete nos principais jornais americanos, após a decisão do novo Presidente americano de autorizar a continuidade do projeto. A maior parte do oleoduto já foi construída, mas a seção mais próxima à reserva indígena de Rock Sioux, na Dakota do Norte, ainda aguardava aprovação federal. Após meses de contínuos protestos da tribo Rock Sioux e seus apoiadores, a administração Obama havia rejeitado o licenciamento desse trecho e solicitado que fosse estudada uma rota alternativa. Os opositores argumentam que o projeto original traria risco de contaminação de água potável e danificaria os locais sagrados para os indígenas – além de não ter havido consulta prévia à comunidade local sobre esse traçado.

Esse episódio ilustra bem as palavras do ex-presidente de um think tank americano de energia, quando disse que “os governos concedem licenças, mas são as comunidades que concedem permissão”. Ou seja, os governos podem conceder aprovações formais para um grande projeto, mas é a sociedade que realmente decide sobre sua realização. E o setor de Energia – cujos empreendimentos costumam apresentar potencial de grandes impactos socioambientais – tem sido cada vez mais afetado por riscos não diretamente ligados a questões técnicas, mas relacionadas às suas interações com o meio ambiente e com os diferentes atores da sociedade – os chamados Riscos Não Técnicos (Non-Technical Risks – NTR, em inglês). Como exemplo, um relatório de 2008 da Goldman Sachs, que analisou 190 projetos de óleo e gás em todo o mundo, identificou que NTR foram responsáveis por atrasos médios de 12 meses em mais de dois terços dos casos analisados.

De modo geral, os NTR englobam um amplo espectro de riscos e oportunidades que surgem das interações de uma empresa com uma vasta gama de stakeholders – incluindo reguladores, instituições públicas, parceiros e colaboradores, organizações não governamentais, consumidores e comunidades locais. Apesar de mais difíceis de quantificar, tais riscos podem impactar significativamente o custo de alguns projetos, muitas vezes inviabilizando sua continuidade. Estudo recente nos EUA que analisou casos reais de conflitos em indústrias extrativas mostrou claramente a relação entre o mapeamento e gestão precárias de Riscos Não-Técnicos e o aumento de custos decorrentes de perda de produtividade, principalmente devido a paradas temporárias ou atrasos.

Nesse mesmo estudo, as análises revelaram que a qualidade da relação entre a empresa e a comunidade influencia a reação da população local a incidentes, afetando não apenas a probabilidade de ocorrência de confronto, mas também sua gravidade. Tipicamente, questões ambientais – por exemplo, situações de disputa por recursos naturais – são os gatilhos mais comuns de conflito. No entanto, a relação com empresa-comunidade costuma ser construída tendo por base questões econômicas e sociais, que incluem a distribuição dos benefícios do projeto, mudanças nos costumes e cultura da região e a qualidade do processo de engajamento da empresa com a comunidade. Trata-se, portanto, de um processo contínuo de construção desse relacionamento.

Curiosamente, os Riscos Não-técnicos ainda são, em grande parte, subestimados ou negligenciados pelas empresas. Apesar do potencial de afetar negativamente as finanças – e a imagem – das empresas, a dificuldade de quantificar tais riscos torna difícil traduzir para os altos executivos e investidores as vantagens de uma abordagem consistente e integrada para os NTR. Na indústria de petróleo e gás, o atual ambiente de preços baixos e de disciplina de custos torna essa tarefa ainda mais difícil. Mas os estudos sobre o tema e a experiência prática deixam claro que a identificação e o gerenciamento precoce dos NTR podem ajudar a evitar uma possível erosão do valor de retorno de um projeto, bem como aumentar o acesso da empresa a novas oportunidades.

A boa notícia é que vários processos vêm sendo desenvolvidos para uma melhor mensuração e gerenciamento dos Riscos Não-Técnicos. Eles começam com a identificação dos riscos, através de análises de impacto ambiental e social, listando os grupos sociais de interesse e documentando os potenciais conflitos. Em seguida, esses conflitos são avaliados e ranqueados de acordo com a magnitude de impacto no projeto. Assim, é possível criar uma régua de ações prioritárias, que determinará o engajamento e a frequência das respectivas ações – processo que também inclui o estabelecimento de canais de comunicação entre empresas e comunidades. Na última etapa, o progresso dessas ações é monitorado, e novas questões emergentes são documentadas e introduzidas nas sessões de engajamento, de acordo com suas prioridades. O que se observa é que cada vez mais esses processos estão sendo incorporados na estrutura organizacional e nos modelos de negócio das empresas, que passam a contar com diretorias e profissionais dedicados a temas como relações com a comunidade, sustentabilidade e responsabilidade social.

A relação da sociedade com o governo, e principalmente com as empresas, vem sofrendo profundas transformações. Exige-se que os novos negócios sejam capazes de ir além da geração de renda e emprego, contribuindo com soluções de problemas sociais cada vez mais complexos e que busquem um relacionamento de envolvimento e parceria com a comunidade. E essa relação é ainda mais delicada na indústria petróleo e gás e em outras indústrias extrativas, como mineração. Para essas empresas, não basta mais remunerar financeiramente a sociedade pela exploração de sua riqueza natural – é preciso ir além e deixar um legado para as futuras gerações.


*Publicada originalmente no site da Brasil Energia em Abril de 2017

2018-07-16T17:21:19+00:00 15/05/2018|Categorias: Petróleo|0 Comentários

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